São ainda muitos os portugueses que nunca ouviram falar na esclerose múltipla (EM) ou conhecem a doença. É pelo menos essa a convicção de Alexandre Silva, presidente da Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla e um dos rostos da doença em Portugal que, numa Mesa Redonda da TSF, realizada com o apoio da Merck, a define como “a doença das mil caras”. O que significa que cada doente apresenta um conjunto de sintomas específicos, “cada um é o especialista da sua doença, ou seja, eu é que conheço os sintomas que a EM me inflige e que, muitas vezes, são difíceis de explicar ao outro, sobretudo o que não tem esclerose múltipla”.
Carlos Capela, neurologista e outro dos intervenientes nesta Mesa Redonda, concorda que há falta de conhecimento sobre a doença, que caracteriza como “inflamatória degenerativa do sistema nervoso central, que afeta sobretudo as mulheres” e que surge sobretudo entre os 20 e os 40 anos, com uma apresentação clínica que pode ser muito diferente, consoante as zonas do sistema nervoso central impactado pela lesão inflamatória.
De causa autoimune, são vários os sintomas, sendo dos mais comuns as alterações da visão e da coordenação motora. Alguns que Alexandre Silva conhece bem, mas que, confessa, nem sempre valorizou. De facto, viveu muito tempo com a doença antes do diagnóstico, um exemplo bem diferente do de Cristina Saarinen, que um conjunto de “felizes coincidências”, em 1997, fez com que fosse diagnosticada cedo e cedo começasse também a receber tratamento. “Fiz uma ressonância magnética e foi isso que imediatamente me deu o diagnóstico. E foi muito bom, porque foi na altura em que os primeiros fármacos para a EM começaram a chegar ao mercado.” Uma deteção atempada que fez toda a diferença: “hoje vivo a minha vida de forma independente”.
Inovação que promete mais qualidade de vida
Nas últimas duas décadas, de acordo com Carlos Capela, assistimos a uma grande evolução nos tratamentos. “Hoje temos medicamentos mesmo muito eficazes e com estes conseguimos frenar o sistema imune de tal forma que conseguimos quase impedir o aparecimento de inflamação, de novas lesões, de novos surtos e também de incapacidade relacionada com os surtos.”
De facto, reforça Alexandre Silva, “ser capaz de agir rapidamente quando é detetado o problema permite, nessa janela temporal, ter ganhos absolutamente fantásticos, em que as consequências para o resto da vida são bastante atenuados”. Mas o que acontece muitas vezes, acrescenta, é que, seja por falta de conhecimento, de informação ou de capacidade financeira dos sistemas de saúde, “pessoas que poderiam ter tido uma evolução muito positiva no controlo da doença, sobretudo nas situações em que os surtos são muito frequentes e violentos, acabam por não ser protegidos e quando chegam aos centros mais especializados acaba por não haver muito a fazer”.
Desafios sociais, profissionais e familiares
São muitos os desafios que a pessoa com EM tem de enfrentar. E, além dos físicos, há outros nem sempre tidos em conta. “O doente com EM pode, infelizmente, perder o trabalho; pode ser abandonado pelos seus companheiros, com filhos para cuidar; pode entrar em situações de depressão profunda porque não consegue lidar com a doença e tudo se desmorona à sua volta”, refere Alexandre Silva.
Ser aceite pela sociedade é muito importante. Mas o papel da família é essencial. “Há muitos problemas que surgem: divórcios, separações, pessoas com uma atitude hostil porque não sabem lidar com a doença do companheiro… Há uma componente familiar que é extremamente importante e que tem de ser resolvida”, refere Cristina Saarinen, que fala nos três componentes muito importantes: “a parte social, a parte profissional e a da família. Todos estes componentes fazem parte do que é a nossa autoestima e do que é saber viver com a EM, que é um desafio diário”.
E quando se fala de família é inevitável falar dos cuidadores informais. Os pais, filhos, maridos ou mulheres que cuidam, de forma abnegada, tantas vezes sem receber nada em troca. Alexandre Silva recorda este trabalho. “O cuidador informal é um elemento central da nossa equipa, é fundamental para a estabilização e qualidade de vida que queremos para a pessoa com EM.”
Trata-se de alguém muito próximo, “são chave nesta equação”. E apesar de o Estado reconhecer o cuidador informal, “acaba por não dar o apoio necessário para que estas pessoas desempenhem o seu papel”. Há, por isso, que mudar as regras, “para que o apoio seja efetivo. Para nós, e sobretudo para as associações que integram o Movimento Cuidar dos Cuidadores Informais, a luta é a de que o Estado cumpra o seu papel”.
Veja, na íntegra, a Mesa Redonda da TSF aqui: